Carlos Almeida

Maio 2022






RECURSOS MINERAIS

SÓCIO APG Nº O1001

Nascido na cidade do Porto, no seio de uma família com um histórico de atividade em minas e pedreiras, manteve a tradição e trabalha na prospeção e exploração de recursos minerais. Pertenceu ao grupo dos "metaleiros" da FCUP. Gosta muito de fazer cartografia geológica tática.

"... fiz trinta por uma linha para fazer o trabalho de investigação, durante o trabalho produtivo, e foi identificado um mineral litinífero - a petalite - num contexto onde não era conhecido. Isso foi para mim uma das maiores descobertas..."

No início de uma tarde de julho, sob um calor quase mantélico, fomos ao encontro do Carlos Almeida no seu habitat natural: uma pedreira. Com um passado familiar mineiro, este orgulhoso nortenho é um dos descendentes do grupo dos "metaleiros" da Universidade do Porto. Mas bem, mesmo sendo muito metaleiro e desmancha-rochas, teve olho para encontrar petalite, um mineral de lítio muito delicado cuja etimologia deriva do grego petalon (=folha), pela sua clivagem perfeita. Defensor entusiasta dos geólogos, tem feito muito pelo reconhecimento da profissão, sendo um dos responsáveis pela criação do título de Eurogeólogo. Como os jazigos minerais, também o Carlos resultou de um conjunto de processos certos, à hora correta, nos locais oportunos e com as pessoas indicadas, as quais soube ir incorporando na sua estrutura para construir o geólogo que hoje é. Venham conhecer o "gajo a ver os calhaus" e descobrir porque é que o melhor dos recursos não-metálicos são os metais.


Entrevista 

Mina Vale do André, da Sabril, Albergaria dos Doze, julho de 2021


1) Nome, idade e local de nascimento.

Carlos Almeida, 46 anos, nascido na cidade do Porto.

2) Se tivesse de resumir numa única frase o que faz profissionalmente para leigos, o que diria?

Sou um profissional que estuda a Terra, que prospecta os recursos minerais que existem ao nível da litosfera e procuro, com essa prospeção, extraí-los e pô-los ao serviço do cidadão comum.

3) Em que ano e onde ingressou no curso de Geologia?

Foi em 1995, no curso de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

4) Qual o primeiro contacto consciente que teve com a Geologia, recorda-se?

Sim! Foi na escola primária, década de 1980, em que a professora nos colocou uma amostra de granito e outra de calcário para distinguirmos o quartzo, feldspato e mica.

5) Era mesmo geólogo que queria ser ou temos aí um desejo anterior oculto que acabou por não se concretizar?

Eu percebi que queria ser geólogo a partir do 12º ano. Foi crescendo esse gosto pela Geologia, pela natureza e daí ter ido depois ingressar na área das Geociências.

6) Não houve dúvidas?

Não!

7) Na família, quer em gerações anteriores ou posteriores, há mais alguém ligado à Geologia?

A ligação à Geologia foi por parte dos bisavôs, um ligado às pedreiras e outro ligado à extração mineira; estamos a falar dos tempos da Segunda Guerra Mundial.

8) E onde, já agora?

Da parte das pedreiras, nos núcleos de pedreiras de Penafiel, tanto o avô como o bisavô eram pedreiros de cantaria. Depois, da parte mineira, o meu avô paterno trabalhava pontualmente na extração de tungsténio e em algumas lavras auríferas que havia nessa zona. E há ainda alguns familiares que trabalharam na região de Bragança, nas minas da Ervedosa, de estanho. Portanto, já há um histórico, muita gente da família.

9) Foi um aluno médio, bom ou muito bom durante os tempos universitários? Fazia parte dos mais calados ou dos mais participativos?

Uma licenciatura em Geologia no Porto é uma prova difícil na década de 1990. Portanto, quando se diz "bons alunos", estamos a falar de notas... mas, para mim, os "bons alunos" são aqueles que, no final, conseguiram concretizar a sua formação na licenciatura. Eu, pessoalmente, acho que era um aluno médio, suficiente, nas cadeiras fora do departamento. Nas cadeiras de Geologia, acho que tinha alguma qualidade e era muito participativo. Ganhei alguns amores e outros nem por isso... (sorriso)


"(...) eu ficava com os sondadores, pelo gozo de sair o testemunho de sondagem e ele bater certo com o modelo que nós criámos no computador." 

10) Estamos a falar em relação a professores ou também a colegas?

A temas, a colegas, a professores... o que é normal. Depois nós começamos a criar a nossa personalidade, já enquanto alunos, e a escolher as áreas que nos atraem, a nível de gosto, de estudo, para a investigação.

11) Eram quantos no vosso ano?

Entraram 44, mais para o fim já eramos muito poucos.

12) Poucos... quantos?

Desse ano, na área do ramo científico-tecnológico, que foi a área que eu segui, éramos menos de 10.

13) Poucos mas bons, não é?

Mas bons! (sorriso)

14) No tempo em que foi estudante, seguramente muitos professores, de uma forma ou outra, tiveram impacto em si. Se pudesse escolher um dos professores que mais o influenciou nessa altura, quem escolheria?

Eu vou dar uma resposta sintética, mas não posso escolher um. Estamos a falar de marcar, em termos de guidance [orientação]. Foi claramente o professor Fernando Noronha. Daí eu me ter juntado, no terceiro ano, ao grupo dos "metaleiros", que era, na gíria, o que estava designado por GIMEF [Grupo de Investigação em Metalogenia e Fluidos] . Obviamente que também me marcaram, de formas diferentes, o professor Frederico Sodré Borges e o professor Lemos de Sousa. Mas eu também tive professores sem ser na universidade: o Marcel Pouliquen, diretor geral das Minas da DAM [Denain Anzin Minéraux], grupo mundial francês; o professor José Mário Castelo Branco, que foi o meu primeiro chefe na área da Geologia mineira; o meu orientador de tese, que é quase da minha idade, que é o Alexandre Lima; e o pai dele, o senhor Joaquim Lima, que fazia muito mais cartografia que muitos geólogos que estão hoje no activo. E por fim, o Doutor Gomes Coelho, que foi Presidente da APG, já falecido, que me ensinou a estar na Geologia de uma forma diferente, a valorizar a profissão.

15) Também foi um professor, dessa forma...

Exatamente. (sorriso)

16) Será que temos o geoídolo aí nesse grupo? Quem é que é o seu geólogo favorito, a sua referência na Geologia?

Digamos que foi o grupo criado no Porto, na investigação dos recursos minerais. O grupo liderado por várias pessoas, de diferentes áreas, que tinha um coordenador, o professor Noronha, mas eu bebi um pouco de todos eles. E estou nesta área dos recursos minerais porque me deram alguma formação nessa matéria...

17) Coloco a pergunta de outra forma: se só pudesse ter um póster na parte de trás da porta do seu quarto, qual é que era a cara que aparecia lá?

Eram duas, as dos meus dois filhos. (sorriso maroto, risos nossos)

"(...) um recurso mineral não-metálico tem metais!"

18) Na Geologia...

(semblante sério) Eu não quero quantificar... eu tenho grande reconhecimento por ele e sou amigo dele, do John Clifford, que é o diretor geral de Antofagasta [Minerals]. O Stephen Henley, que foi um dos criadores do data mining. A Ruth Halington, que é uma mulher que vingou na Geologia, num mundo de homens, na área de Geologia de engenharia, do quarrying... O Che Osmond, que é um galês, que me ensinou o que é ser uma competent qualified person... Portanto, essa resposta não se pode limitar a uma pessoa. Acho que era esse o grupo de pessoas que eu colocava num fundo de imagem e era um painel que daria uma boa fotografia.

19) Qual é a sua publicação favorita na área das Geociências? E aqui pode ser um livro, uma carta geológica, o que seja.

O livro que mais me marcou e que me ajudou a trabalhar num contexto de primeiro mundo, que é nisso que os geólogos portugueses têm valor, conhecimento e capacidade, é um livro que eu estudei para obter uma qualificação como Eurogeólogo, o "Mineral Exploration and Mining Essentials", do Robert Stevens. É um livro muito prático, que nos pode ajudar, a nós que trabalhamos em recursos minerais, a elaborar relatórios e a trabalhar em diferentes contextos. E esse livro recomendo seriamente, não tenho nenhum interesse acionista na editora, nada disso, mas foi algo que me ajudou bastante, foi essa publicação

20) Naquilo que é a sua vida profissional, qual a actividade ou exercício que mais prazer lhe dá?

São duas. Cartografia regional tática: litológica e estrutural. Não é cartografia geológica s.s. Muito difícil, adorei! [Onde?] Na zona de Penedono [em Viseu], um projeto de ouro. O que eu mais gostei, pouca gente gosta, que é cartografia de fundo de mina, de frente de mina, cartografia de hastial e furos de sondagens em fundo de mina. Portanto, eu ficava com os sondadores, pelo gozo de sair o testemunho de sondagem e ele bater certo com o modelo que nós criámos no computador.

21) ...como as páginas de soluções no final do livro de matemática?

(sorrindo, anuindo com a cabeça) E porque nós imaginámos e estamos a tomar decisões de dezenas de milhares de euros numa sondagem e o "epa, acertei no ore shoot" [zona de mineralização principal de um depósito]". Às vezes corre mal, dá branco, estéril, mas isso [cartografia de fundo de mina] deu-me muito gozo. No fundo de mina de Jales-Gralheira.

22) Há algum testemunho de sondagem que foi assim Jackpot?

Sim. Vocês sabem perfeitamente que o ouro, quando está em contexto de filões hidrotermais, é microscópico. E encontrar um testemunho de sondagem onde temos ouro visível é um Jackpot. E isso aconteceu. (sorriso)

23) Já marcou férias propositadamente para um lugar porque queria lá ver algum afloramento, mas ocultou da família o verdadeiro motivo da escolha do destino?

Não, eu costumo dizer "a geologia vem até nós nas férias". Onde quer que estejamos, nem que seja uma pedra de calçada, nós conseguimos identificar. Às vezes é um bocado chato para a família, "lá está o gajo a ver os calhaus", mas dá-me gozo. Por exemplo, num contexto estrangeiro: o pavimento na Tunísia, a laje é de Pedras Salgadas, "está aqui um bocadinho do meu país"; as coberturas de telha portuguesa; os azulejos. E ver as formações, ver coisas que nunca vi, especialmente da área do vulcanismo.

24) Então, quando vai à Serra da Estrela nunca é para ir ver os granitos...

(Sorriso) Por acaso eu gosto muito de ir ver os tilitos, e o sentido de direção dos [avanço dos] glaciares, dos fenocristais e das suas estrias. Porque, se nós soubermos a orientação dos tilitos, podemos ver onde estão os sedimentos que poderão estar mineralizados!

25) Ah, vamos sempre dar ao mesmo! (risos) Então, de todas as vezes que foi à Serra da Estrela, nenhuma foi com um segundo propósito?

Não, já lá fui ver a neve para fazer uns bonecos de neve, para os miúdos se divertirem. (sorriso)

 "a geologia vem até nós nas férias" 

26) No contexto da família, qual a resposta mais hilariante ou caricata que recebeu de familiares ou amigos quando à pergunta "que fazes da vida?" respondeu "sou geólogo"?

É a resposta clichê: sou um antropólogo que estuda dinossauros. Ou és um arqueólogo que estuda as pedras. Isto tem também a ver com a formação base da sociedade portuguesa, em que a palavra biólogo é muito mais conhecida, não é? Ciências da vida... mas o geólogo já começa a entrar [também] nesse contexto [de reconhecimento]. E nós temos que fazer muito trabalho nesse sentido, daí vendermos a nossa imagem, a nossa profissão. O geólogo é tão importante como qualquer outra profissão na sociedade atual.

27) Agora, conte-nos um evento ou momento marcante na sua carreira. Pode ser um momento mais ou menos positivo.

O momento mais marcante da minha carreira foi quando efetuei a dissertação da minha tese de mestrado. Não pela dissertação e obter o título, mas porque aquilo resultou de eu estar num contexto laboral, em que identifiquei uma formação geológica - neste caso um filão pegmatítico zonado - e, por desconhecimento dessa mineralogia, ter utilizado o método científico: de colocar a dúvida, propor uma tese, investigar, fiz petrografia, fiz geoquímica, fiz trinta por uma linha para fazer o trabalho de investigação, durante o trabalho produtivo. E foi identificado um mineral litinífero - a petalite - num contexto onde não era conhecido. Isso foi, para mim, uma das descobertas, para além de outras que surgiram noutros projetos.

28) Que foi dos mais marcantes?

Sim, porque nós vemos o nosso trabalho refletido num documento, que teve princípio, meio e fim. Para mim foi o mais marcante!


Geomanias

Rocha preferida? Pegmatito

Mineral preferido? Água-marinha [variedade de Berilo]

Fóssil preferido? Trilobite

Unidade litostratigráfica preferida? Campo Aplitopegmatítico Almendra - Barca d'Alva

Era, Período, Época ou Idade preferido? Paleozoico 

Trabalho de campo ou de gabinete?   Trabalho de campo

Martelo ou microscópio? Martelo 

Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão

Carta Geológica favorita? Folha 9-C (Porto) [1:50.000].

Pedra mole ou pedra dura? Dura 

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? 

Eu tenho uma resposta muito importante, um recurso mineral não-metálico tem metais. A minha paixão é o recurso mineral metálico. Mas o lítio é um metal e está nos não-metálicos...nos pegmatitos, recursos minerais industriais.

Crosta ou crusta? Crusta


Teaser da Entrevista